Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no whatsapp

A repentina morte de Dom Geraldo Lyrio Rocha me balançou profundamente, retirando-me do prumo, pois sua pessoa deixou marcas profundas em minha vida. Desde 1982 quando ele fez parte da banca de concurso onde fui aprovado como professor para a Universidade Federal do Espírito Santo até o último encontro, em uma viagem de carro, somente nós dois, até Linhares para o Fórum da Romaria das Águas e da Terra onde estivemos na mesma mesa falando ao povo de Deus. Nesse momento correm tantas memórias, tantos encontros, tantos dons. E sobre isso que gostaria de me ater nesse momento de dor e de saudade.

Sabemos que o termo “Dom” é abreviatura da palavra latina dominus. Indica a qualidade de senhor conferida a alguém ou a qualidade de mestre. Nada tem a ver com dominação, pois o senhorio divino coloca-se à frente de seu povo para o libertar da escravidão. Quando percorremos a linda homenagem feita a Dom Geral Lyrio Rocha pelos seus 80 anos de vida publicada em livro com 415 páginas, percebemos como toda a sua vida representou esse caminho pelo senhorio, pelo pastoreio que conduz, que está à frente, ao lado, ou mesmo acompanhando o povo. E foi nesse caminho percorrido ao longo da vida que o fez se deslocar até Altamira no Pará para pregar um retiro ao clero daquela diocese.

Neste ano no fim do mês de março viajamos juntos para Linhares para participarmos do Fórum da 6ª Romaria. Somente nós dois de carro, voltando bem tarde da noite, e conversando muito sobre tantas coisas. Ele me dizia entusiasmado que havia sido escolhido para participar do Sínodo dos Bispos em Roma no mês de outubro próximo. Aquela conversa ao longo de uma estrada perigosa, BR 101, era expressão do que ele sempre foi, a conversa do Ressuscitado com os discípulos de Emaús.

Quando ele foi homenageado pela Ufes com o título de Professor Emérito eu dizia aos Conselhos Superiores da Universidade: “Não há como separar a pessoa, o professor, o bispo e o presidente atual da CNBB. Todas essas funções ou ministérios só fazem engrandecer e orgulhar o chão por onde ele passou. Esses espaços são testemunhas de uma vida de absoluta coerência ética e de uma conduta sempre aberta ao diálogo e imbuída da responsabilidade social”. A grande marca de sua vida foi sempre de caminhar junto com as pessoas, nunca sozinho, sempre solidário e jamais solitário navegante de um ego inflamado pela arrogância e pelo orgulho.

Uma segunda dimensão significativa do termo “Dom” se refere a mestre, a ensinamento. E chega ao ponto final navegando no oceano do ensino para uma vida santa, pregando retiro. Dele aprendi tantas coisas. Podemos afirmar que toda a sua vida se constitui de um magistério que integrou de maneira harmoniosa as várias dimensões do ser humano: intelectual, social, política, cultural e religiosa. Ao ser elevado ao ministério episcopal ele incorporou outra dimensão apostólica, o ensino e a fidelidade ao ensino apostólico. Jamais suas palavras partiam de sua visão pessoal, subjetiva, mas da tradição apostólica que lhe era tão cara. Como Presidente da CNBB, nesse lugar exerceu com santidade o dom do magistério humilde, perseverante, santo.

Por fim, gostaria de incluir mais um significado ao termo “Dom” que nasce da minha fé, das minhas escolhas e da minha experiência. Dom Geraldo foi e é um Dom, uma graça para a Igreja. Uma graça muito especial para a Igreja do Brasil, especialmente do Espírito Santo. Por ser expressão da graça, seu pastoreio seguiu os caminhos da santidade, da peregrinação, da mística.

Sua família disse na homenagem publicada em livro que “Geraldo é um valioso presente que Deus nos Deus”. E todos os testemunhos publicados nessa obra remetem a essa grandeza de vida como “dom”, como presente de Deus, como graça.

Desta forma, nesse momento de dor e saudade, alegro-me com o presente recebido de Deus como “Geraldo Lyrio Rocha”. Momento de dor e também de grande alegria. Feliz o povo que pôde ter em seu meio um homem que conduz a vida num senhorio libertador, um homem que se faz mestre na caminhada com o povo, com as pessoas, em cada momento. Feliz é o povo que recebe um presente de Deus com essa grandeza!

Minha súplica é de um profundo agradecimento a Deus por ter colocado Dom Geraldo no meu caminho pessoal e eclesial. Por fim, um agradecimento a ele mesmo por tanto que nos deixou de bens, de dons, de graças, de ensinamentos, de testemunhos de vida. Se Deus o levou assim a partir do norte do país, numa missão apostólica de ensino conforme nos pedem as Escrituras, é para nos dar um sinal mais forte ainda tão solicitado pelo Papa Francisco: até o fim temos que ser uma Igreja em saída. Muito obrigado, Dom Geraldo Lyrio Rocha! Obrigado, Deus da misericórdia!

Edebrande Cavalieri

Foto capa: Sistema Vídeo Foto