Ao completar 75 anos de idade, Dom Dario Campos encaminhou uma carta de renúncia ao Papa Francisco, conforme estabelecem as normas canônicas da Igreja. Trata-se de um ato administrativo, sim, contudo revestido de profundo zelo apostólico. Trata-se da conclusão de um cargo eclesial, mas não do fim do serviço eclesial, do ministério apostólico. A conclusão do cargo está inserida como parte integrante do próprio serviço.
O cargo eclesial não é uma conquista do poder como age e pensa a sociedade civil e política. Com a renúncia de um bispo ele se coloca com nova forma de disponibilidade para a Igreja. Ele não perde o elemento constitutivo de ser a garantia da apostolicidade do ministério episcopal. O bispo é a garantia da autenticidade da comunidade eclesial com a sua fidelidade ao ministério apostólico.
O Concílio Vaticano II, no Decreto Christus Dominus (nº 21) descreve de maneira bem clara como se conduz o ato de renúncia na Igreja: “Sendo o múnus pastoral dos bispos de tanta importância e responsabilidade, pede-se instantemente aos bispos diocesanos e aos outros a eles equiparados pelo direito que, vendo-se menos aptos para exercer o seu ministério, por motivo de idade avançada, ou por outra causa grave, apresentem a renúncia do seu cargo, ou espontaneamente ou a convite da autoridade competente. Por sua parte, se esta autoridade competente a aceitar, providenciará para que não lhes falte a justa sustentação e lhes sejam reconhecidos peculiares direitos”.
A partir do Concílio Vaticano II, cada novo Papa eleito promulga um ato administrativo na forma de Motu próprio, ou seja, de sua iniciativa própria, dando a diretriz que deverá ser tomada. O Papa Francisco publicou essa carta em 12 de fevereiro de 2018 denominando-a “Aprender a se despedir”. Não é fácil para aquelas pessoas que tomam o cargo como conquista pessoal. É possível que algum bispo por ser humano tome o cargo episcopal como conquista. Contudo, nenhum ministério ordenado de bispo, sacerdote e diácono ou instituído como ministros da Palavra, presidir às orações litúrgicas, administrar o batismo e distribuir a sagrada Comunhão conforme prescreve o Direito Canônico nº 230 deveria ser concebido poder e conquista pessoal, como merecimento ou mesmo lugar de representação política.
O Papa Francisco pede aos bispos na carta que se preparem para a despedida, para deixarem seus cargos. Não é apenas um ato de humildade que requer muita oração, mas também um momento de se preparar para novos projetos de vida marcados por “austeridade, humildade, oração, tempo dedicado à leitura ou disponibilidade de serviços pastorais”. Um bispo emérito continua a serviço da Igreja. Não fica aposentado “esperando a morte chegar”, como diz a música de Raul Seixas. É lógico
que também será um tempo de descanso merecido, de cuidar da própria saúde tantas vezes relegada em segundo plano no dia a dia de bispo.
A renúncia também poderá ocorrer antes dos 75 anos em casos de enfermidade ou de motivo grave na conduta do exercício pastoral. Quando alguma coisa grave atrapalhar o zelo pastoral, para o bem da Igreja a renúncia será o melhor caminho a ser tomado. Casos de conduta não compatível com o cargo ou ministério são objetos de renúncia. No pontificado do Papa Francisco há casos de renúncias em função do acobertamento ou negligência diante dos crimes de pedofilia presentes na Igreja. E diante desse pecado, o Papa lhes disse que “sejam adotados os procedimentos destinados a prevenir e combater esses crimes que traem a confiança dos fiéis”.
Portanto, a responsabilidade dos sucessores dos apóstolos, que são os bispos, requer liderança pastoral, compromisso de seguir de perto as pegadas de Jesus Cristo, governo das Igrejas particulares que lhes são confiadas em todos os sentidos e não apenas administrativo.
A renúncia de Dom Dario Campos não implica automaticamente que logo será nomeado um novo arcebispo para Vitória. Trata-se de uma ação de governo na Igreja conduzida pelo Papa que implica a virtude da prudência, da paciência, do discernimento adequado para que se possa tomar a decisão mais apropriada para a Igreja local presente na Arquidiocese.
Hoje na Igreja do Brasil são muitos bispos eméritos e a CNBB organizou uma subcomissão especificamente para esse fim. Dom Angélico S. Bernardino dizia em 2010 como presidente dessa comissão que “o Bispo emérito é uma benção para a Igreja”. Continua ainda mais forte o espírito de comunhão eclesial agora envolvendo sua nova missão, a missão do novo bispo e os padres da mesma Diocese. No fundo, nos diz dom Angélico, “alguns bispos eméritos estão trabalhando muito mais do que antes, inclusive, sem ter aquelas tarefas do governo diocesano”.
Ser bispo emérito não significa ser lançado ao campo da aposentadoria compulsória como ocorre na sociedade civil e nem ser sinônimo de invalidez. Com a liberdade diante do governo da Igreja, cada bispo emérito poderá dar o melhor de si advindo da maturidade e da experiência para construção do Reino de Deus.
Enquanto Povo de Deus, queremos nesse momento marcante da vida de Dom Dario dizer-lhe não apenas muito obrigado por tudo o que fez por nossa Igreja, mas dizer “permaneça conosco”. Não vá embora! Seu carinho e simplicidade foram marcantes nesses anos entre nós. Seu modo particular de
acolher as pessoas como um pai que ama os filhos nos tocou desde o início. Seu rosto sempre sorridente mostrando a alegria de evangelizar. Acima de tudo, sua fidelidade ao Evangelho e ao Magistério da Igreja conduzido pelo Papa Francisco foram marcas profundas em nossas vidas.
Quando ele chegou a Vitória dizia que era preciso estarmos atentos ao pedido do papa: “Quero uma Igreja pobre, solidária e para os pobres. Quero uma Igreja servidora, atenta às necessidades das pessoas”. Nesse sentido, assim que tomou posse criou o Vicariato para a Ação Social, Política e Ecumênica onde teve e tem grande destaque a ação permanente da Campanha de Combate à Fome. “Paz e Pão” tornou-se uma marca da caminhada da Arquidiocese de Vitória. Poderíamos citar as demais ações permanentes, porém penso que aqui avançamos muito. Nos tempos da pandemia a Igreja conduzida por Dom Dario teve um destaque especial na luta contra a fome com a realização de diversas campanhas. Porém, descobrimos que a pandemia da Covid-19 é apenas uma entre tantas outras pandemias que nossa sociedade sofre.
Enfim, Dom Dario, muito obrigado! Muito obrigado mesmo! De coração! Mas, não vá embora. Fica conosco! Deixa-nos embebedarmos continuamente de sua alegria, de seu sorriso fácil. Queremos continuar seguindo seus passos nessa novas missão como bispo emérito. Que Deus o abençoe!
Edebrande Cavalieri